domingo, 20 de setembro de 2009

Sobram críticas no Parlamento holandês para a RTRS

O debate crítico do Parlamento holandês sobre a Mesa Redonda da Soja Responsável (RTRS)
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*Esta é uma tradução livre da reportagem original em inglês, o link para o original encontra-se ao final
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Na quinta-feira dia 10 de setembro, o parlamento Holandês discutiu os resultados da última conferência da Mesa Redonda da Soja Responsável – RTRS que ocorreu em maio deste ano no Brasil, quando uma série de princípios e critérios para a soja “responsável” foram acordados. O Parlamento holandês chamou os ministros da Agricultura e de Desenvolvimento e Cooperação para estarem presentes na discussão já que ambos apóiam a RTRS financeiramente e politicamente.
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A Global Forest Coalition, o Corporate Europe Observatory e o Toxicsoy enviaram uma carta ao Parlamento e aos Ministros resumindo as razões pelas quais diversas organizações rejeitam a RTRS.
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O debate em geral foi muito crítico, com os critérios da RTRS sendo qualificados desde “greenwahsing” (pelos partidos: Verdes, SP, Animal Rights Party) a até “bem frágil” (pelo Partido Liberal). Os partidos ficaram bem divididos na questão de se o governo holandês deveria continuar apoiando a RTRS. A maioria (incluindo os ministros) concordou que os critérios da RTRS não são suficientes para receber o rótulo de “responsável”. A Ministra da Agricultura, Gerda Verburg (do Partido Democrata Cristão), foi à única que manteve a posição de nunca ter escutado “uma ONG que rejeite completamente a RTRS”. Mas as críticas internacionais a RTRS tinham sido claramente noticiadas por todos os outros presentes.
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É importante notar que a causa preocupação foi a relação estabelecida entre a Conferência de Copenhague sobre mudanças climáticas e a soja “responsável”.
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A representante da União Cristã (CU), Esmé Wiegman, declarou que os critérios decididos na conferência da RTRS não poderiam ser considerados como uma “norma para um rótulo sobre sustentabilidade”. Ela corretamente apontou que para um dos temas mais cruciais, o desmatamento, a perspectiva de longo prazo ainda está faltando. Ela também questionou a limitação de que apenas as florestas “primárias” deveriam ser protegidas, e como poderia ser estabelecida uma definição para “florestas primárias”. Ela também criticou a ausência de critério sobre transgênicos e não-transgênicos, e acrescentou que até agora ela não viu nenhuma vantagem das sementes transgênicas. Ela então sugeriu que deveria existir uma política de preferência para soja não-transgênica; lembrou também que em países produtores de soja o monitoramento e controle é um grande desafio. Ela por último questionou a ministra sobre o que esta estaria fazendo na direção de diminuir o consumo de carne e de substituição da soja com espécies locais ricas em proteína.
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O Partido dos Direitos dos Animais (PvdD) foi ainda mais crítico, perguntando ao governo porque ele não estava tomando medidas contra a quantidade de soja comercializada, e ao invés disso estão apoiando a RTRS com esses resultados fracos. A representante Marianne Thieme declarou que a Holanda não deveria estar apoiando “um logo de panda para um produto que nem ao menos parará com o desmatamento” Ela também questionou que florestas poderiam ser definidas como “áreas de alto valor de conservação”, e criticou os critérios muito fracos sobre uso de pesticidas e sobre aspectos sociais.
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Ela também se referiu ao estudo da Wageningen University que mostra que na soja RR [nota do tradutor: Roundup Ready é a semente transgênica da Monsanto] a mesma quantidade ou até mais pesticidas são utilizados do que na soja convencional. Thieme apontou que os membros da RTRS, Rabobank e Unilever, declararam que economias de escala são necessárias para a produção de soja e que excluir a soja RR do rótulo de “responsável” tornaria ele (o rótulo) custoso demais. Ela argumentou que a soja “responsável” apenas serviria para dar continuidade para a muito criticada agricultura industrial holandesa. Ela questionou o Ministro de Desenvolvimento e Cooperação, Bert Koenders (do partido Social Democrata), quanto dinheiro é de fato doado ao processo da RTRS e por que a IDH (Initiative Sustainable Trade) está trabalhando para aderir pequenos agricultores da índia nos projetos da RTRS.
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Hugo Polderman, do Partido Socialista, lembrou os participantes do recém publicado “Nature Balance” - um relatório do governo que concluiu que o consumo de carne deveria ser reduzido. A RTRS deveria então ser chamada de “RTRRS”, disse ele, a Mesa Redonda sobre Soja Roundup Ready - the Round Table on Roundup Ready Soy. Monoculturas de soja de grande escala são intrinsecamente insustentáveis, ele afirmou, e isto não pode ser resolvido com critérios fracos. Estes transgênicos, ele continuou, são desenvolvidos para o aumento de escala e para o maior uso de pesticidas. Lembrando ainda da meta do governo para agrocombustíveis, a demanda só iria aumentar, argumentou ele, então o governo não deveria derramar lágrimas de crocodilo para o desmatamento. Ele disse à Ministra Verburg que, já que ela é quem preside a comissão das Nações Unidas para desenvolvimento sustentável, suas políticas deveriam dar um sinal forte em uma direção diferente. Ele solicitou que o Ministro Koenders analise o que a RTRS fará sobre o êxodo rural em conseqüência da expansão da soja, o bem estar de comunidades, os direitos humanos, a produção local de alimentos, e exatamente quanto de florestas serão salvas e, também, para analisar qual é o apoio que a RTRS realmente tem da sociedade civil.
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O social democrata Harm-Evert Waalkens convocou para o acompanhamento crítico do processo da RTRS, mas para continuidade do apoio holandês ao processo. Ele disse que a ênfase deveria ser em iniciativas pequenos fazendeiros e mostrou preocupação sobre a questão de monitoramento e controle no nível local. Ele concordou com a abordagem da RTRS de que os critérios devem ser considerados de maneira separado da questão de transgênicos e não transgênicos. Waalkens apoiou a proposta da Dutch Soy Coalition para instalar um “observatório de commodities” [commodities watchdog], um órgão independente que deveria acompanhar criticamente o processo da RTRS. Ele urgiu que o governo continue apoiando critérios mais fortes como os “critérios Cramer” em processos como a cooperação bilateral holandesa - brasileira em agrocombustíveis.
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Kees Vendrik (do Partido Verde) perguntou a Waalkens se ele achava que a produção da soja RR poderia ser algum dia sustentável. Waalkens, então, reconheceu que a questão da produção em escala é um problema e que a soja RR facilita o aumento na escada da produção de soja.
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O representante da Democracia Cristã disse que os argumentos demonstravam como o problema da soja é muito complicado. Ele, no entanto, lembrou que a RTRS conseguiu mobilizar uma plataforma ampla de stakeholders; e afirmou que este é um processo de pequenos passos que é parte de uma política de múltiplas rastreabilidades. Ele urgiu para um maior apoio as iniciativas de pequena escala, mas também apontou para a dependência de produtores de pequena escala na cadeia da soja.
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A representante do Partido Liberal, Janneke Sneijder-Hazelhof, disse que apoiava o processo da RTRS reconhecendo, entretanto, que o resultado do acordo era “muito frágil”. Ela disse que o apoio da sociedade civil ao projeto deveria ser ampliado, e aplaudiu o apoio governamental dado a RTRS. Ela também afirmou que a questão do desmatamento é uma preocupação para os Liberais, e que uma solução poderia ser a substituição parte da soja usada na ração animal novamente com farinha de osso. (O uso de farinha de osso foi banido alguns anos atrás porque levava a doença da vaca louca)
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O membro do Partido Verde, Vendrik, convocou para o fim da agricultura industrial como a verdadeira solução para o problema. Ele se disse chocado pela declaração internacional assinada por mais de 90 organizações e redes que rejeitava a RTRS. Avisou que a RTRS poderia levar a criação de um rótulo “greenwash” para soja insustentável. Ele solicitou aos Ministros presentes por um julgamento dos critérios, das lacunas identificadas e da justificativa do governo Holandês em continuar subsidiando a RTRS. Ele também pediu por garantias de uma cadeia livre de transgênicos.
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A Ministra Verburg disse estar feliz com o acordo atingido na RTRS, e que todos os stakeholders foram envolvidos no processo. Ela disse que rejeita fortemente a alegação de que o governo Holandês estaria cooperando com um projeto de “greenwashing” ao apoiar a RTRS. Mas também estressou que o acordo alcançado não era satisfatório como um resultado final. Uma questão que ela abordou foi o preço mais elevado de uma soja “responsável”, que deveria cobrir todos os custos. Ela disse que seria responsabilidade das ONGs contribuir para o aumento da consciência dos consumidores e, por tanto, sua disposição em pagar mais por carne “responsável. Transgênicos, segundo ela, não seria uma questão de “sim ou não” mas de “como”. Monitoramento e controle seriam uma questão dos governos nacionais, disse ela, admitindo implicitamente que monitoramento e controle da implementação dos critérios dificilmente terá sucesso, já que leis nacionais são geralmente pouco significativas em países produtores de soja.
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Ela anunciou que a RTRS irá criar uma plataforma pública na internet para estimular um debate mais público. Quanto às alternativas, ela comissionou um estudo sobre a viabilidade econômica do cultivo de espécies locais ricas em proteínas, mas que a conclusão foi que “atualmente isto não é viável” para industria intensiva de carne holandesa.
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O Ministro Koendes disse que o apoio a RTRS deveria continuar, já que “a regulação internacional é muito lenta”. Para ele, a RTRS é, atualmente, a única maneira de conseguir critérios sustentáveis para a soja, e não deveria ser abandonada tão facilmente. Ele disse que o “direito a terra era crucial”, e por tanto enviou um embaixador especial de direitos humanos ao Brasil para verificar esta questão.
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Koenders reconheceu que apoio amplo é crucial, e mencionou que recentemente membros da RTRS abandonaram o processo (APROSOJA e FUNDAPAZ). Ele considerou isto interessante e apenas mais uma razão para continuar o apoio a RTRS. Ele também mencionou o apoio dado a atividades de “pequenos fazendeiros” da Índia produzindo soja conforme a RTRS, uma cooperação entre IDH e a Solidaridad. Ele disse que não apoiava a proposta da Dutch Soy Coalition por um “observatório de commodities”, já que considerou que qualquer um poderia ter este papel [“watchdog”]. Ele prometeu ao Partido dos Direitos dos Animais prover o Parlamento com um detalhamento de todos os subsídios do governo gastos com a RTRS.
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Novamente vários parlamentares perguntaram a ambos os Ministros se eles consideravam a soja RR (e não transgênicos no geral) como uma produção sustentável.
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O alto preço da soja “responsável”: Qual o papel de Copenhague?
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Uma das questões no debate foi como a soja “responsável” seria financiada. A Ministra Verburg disse que não via um papel do governo nisso, e que ONGs deveria tomar para si o papel de convencer os consumidores a pagar mais pela carne e produtos de laticínios produzidos a partir de animais alimentados com soja “responsável”. Não está claro, entre tanto, quais organizações na Holanda, além da Solidaridad e WWF, estariam dispostas a assumir este papel com o processo da maneira que está.
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Alguns sugeriram que a redução do desmatamento, se um resultado provado da soja “responsável”, poderia ser remunerada com créditos de carbono. Isto, de acordo com a União Cristã, deveria ser uma maneira especifica para apoiar os pequenos produtores.
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A Ministra Verburg disse que quando se olha para o impacto ambiental da soja RR, também é necessário olhar “as emissões menores de CO2 devido a menos aragem”, um argumento refletindo o velho lobby de uma década da Monsanto por créditos de carbono para a soja RR. Recentemente, a metodologia MDL foi aprovada para o tratamento de sementes de soja com uma bactéria que alegadamente iria aumentar a capacidade de fixar nitrogênio da soja, supostamente diminuindo a necessidade de se aplicar fertilizantes artificiais, que são muito ruins para o clima. A Monsanto agora anunciou que eles vão aplicar este tratamento (patenteado por Becker Underwood) para toda sua nova geração de soja RR. Este é o primeiro caso onde monoculturas de soja poderiam ser premiadas com subsídios relacionados a mudanças climáticas, demonstrando como perversa a política da ONU para mudanças climáticas se tornou.
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O próximo passo seria créditos de carbono para a soja RR em si. Tanto os créditos de carbono quanto o rótulo de “responsável” para a soja RR seriam a realização de um “sonho” para a Monsanto. Não esta clara a extensão da compreensão que os políticos têm disso.
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O Ministro Koenders também mencionou que a soja “responsável” deveria ser ligada a Copenhague. Não ficou claro se ele se referia a suposta redução do desmatamento por causa da soja certificada como “responsável”, ou se estava se referindo a questão da soja de “plantio direto”.
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Thieme estressou que o “plantio direto” (a tecnologia que permitiria menos aragem do solo para controle de erva daninha, que comumente se atribui como sendo causador de muitas emissões de CO2 do solo) não esta confinada a produção da soja RR e também poderia ser usada na agricultura convencional ou orgânica.
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Isto parece ser de pouco conhecimento das tentativas da indústria da soja e biotecnologia de conseguir dinheiro de créditos de carbono e MDL para as sementes resistentes a herbicidas e de “plantio direto”, e em especial, para a soja RR.
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A WWF agora também esta pedindo abertamente por créditos de carbono para a soja certificada com base na RTRS. “O desafio agora é encontrar mecanismos para remunerar produtores que protejam florestas e o solo permitindo que eles vendessem carbono junto com sua soja," disse Jason Clay recentemente. “Esta é uma situação de ganha – ganha - ganha. Florestas e solo protegidos, produtores tendo uma fonte adicional de renda, e varejistas e franquias podem agora comprar soja responsável como uma maneira de reduzir sua pegada ecológica de carbono.”
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Este debate irá continuar. Provavelmente no debate no parlamento holandês sobre biodiversidade do dia 23 de setembro quando Copenhague esteve na agenda.
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