domingo, 6 de setembro de 2009

O caso Rhodia

Breve Histórico





1. Em 1965, a empresa Clorogil (subsidiária da multinacional francesa PROGIL)
inicia em Cubatão as operações de uma fábrica que produz os pesticidas
organoclorados denominados pentaclorofenol e pentaclorofenato de sódio, ambos
conhecidos popularmente como pó da China.




2. A PROGIL funde-se ao Grupo estatal também francês Rhône-Poulenc em
diferentes fases entre 1969 e 1975 (nominalmente em 1972). Em 1982 a Rhône-Poulenc
é ainda um sólido grupo estatal, porém em 1986 François Mitterrand inicia
o processo de privatização da empresa, finalizado somente em 1993.




3. Em 1974, a CLOROGIL S.A. - Indústrias Químicas, ainda tendo como
acionista a PROGIL que, por sua vez, agora pertence ao Grupo Rhône-Poulenc,
representada no Brasil pela Rhodia S.A., começa a operar a unidade de fabricação
de solventes clorados em Cubatão, a saber: o tetracloreto de carbono (CCl4),
substância utilizada durante algum tempo em extintores de incêndios,
posteriormente proibido devido aos produtos tóxicos mais perigosos que eram
formados durante o combate ao incêndio. Também largamente utilizado como matéria
prima na fabricação do gás Freon, conhecido por agredir e destruir a camada
de ozônio, bloqueadora do raio solar ultravioleta, que tem freqüência de
luz que pode causar o câncer de pele, enfermidade que infelizmente está em
grande ascendência entre as populações, onde segundo os cientistas, a
camada foi mais afetada. E o tetracloroetileno (C2Cl4), comercialmente
conhecido como percloroetileno potente desengraxante de metais, principalmente
na indústria automobilística e agente na lavagem de roupa a seco em
lavanderias. Recentemente, a ACPO se manifestou sobre a consulta pública
realizada pela ANVISA, acerca da proibição do uso do percloroetileno em
lavanderias. Esta unidade de solventes clorados da Rhodia era denominada
“TETRAPER”.




Desta fabricação, que operou entre os anos de 1974 e 1993, gerou algo
estimado em torno de 20 mil toneladas de resíduos tóxicos compostos de
C6Cl6, C4Cl6, C2Cl6, C2Cl4 etc., que foram totalmente dispostos sob o solo ou
enterrados. Esta disposição irregular de resíduos, direto no solo leva a se
estimar que exista ainda algo superior a 300 mil toneladas de solo
contaminado. Os despejos podem ser divididos em três grandes fases, a saber:




1ª) Disposição de resíduos tóxicos dentro da fábrica, eram enterrados no
morro ao lado dos tanques de estocagem de propeno e na área onde se encontram
edificadas as instalações do SINCRE – Sistema de Incineração de Resíduos,
nestes locais foram dispostos em cavas abertas até o ano de 1976;




2ª) A partir do ano de 1977, até aproximadamente 1981, a empresa já sob
controle total do Grupo Rhône- Poulenc, este por sua vez, ainda sob a tutela
do Governo Francês, através da subsidiária Rhodia S. A., começa recolher
os resíduos tóxicos em caçambas e despejar no meio ambiente a céu aberto,
em diversos pontos fora da fábrica. Foram encontrados resíduos tóxicos
desde a cidade de Cubatão até a cidade de Itanhaém cerca de 80 Km do ponto
de origem, onde era oferecido como adubo, e até hoje pairam dúvidas sobre a
existência de outros lixões clandestinos da Rhodia na Baixada Santista, se
concretizando como um dos maiores crimes ambientais com este tipo de agente tóxico
do nosso planeta.




3ª) A partir de 1982 até meados de 1993 os resíduos passaram a ser drenados
em tambores de 300 Kg e estocados sobre o mesmo morro de antes, ao lado da
estocagem de propeno, estes tambores com o tempo se oxidavam totalmente e o
resíduo escorria integralmente para o solo. Sendo que a partir de 1988, os
tambores provenientes da produção do TETRAPER, passaram a ser diretamente
triturados e incinerados.




Ressalta-se que estas substâncias ainda hoje, em 2004, que estão enterradas
na fábrica, iniciaram sua degradação dando lugar a outras ainda mais tóxicas,
como por exemplo: o cloreto de vinila.




4. Em 1976, quando a Rhodia assume definitivamente a razão social de ambas as
fábricas, e diante da falta de espaço físico no interior da unidade, inicia
clandestinamente o descarte de seus rejeitos tóxicos supramencionados.




5. Em 1978, surgem as primeiras denúncias de problemas de saúde nos operários
da unidade de produção do pó da China, e a CETESB registra pela primeira
vez em seus relatórios os descartes da Rhodia, sem, no entanto, adotar
nenhuma medida punitiva.




6. Em 1979, as primeiras reportagens denunciam a formação dos lixões químicos
pela atitude da empresa, mas não há repercussão pela falta de consciência
ambiental da população. Este fato e a omissão da CETESB permitem a
continuidade dos despejos clandestinos até o início dos anos 80. Ainda em
1979 a unidade de produção do pó da China em Cubatão é definitivamente
desativada sob pressão dos operários contaminados nesta fábrica, que
conquistam algumas garantias trabalhistas, como estabilidade vitalícia no
emprego. Antes disso, dois operários morreram com quadros característicos de
intoxicação aguda nos anos de operação da unidade.




7. Nos anos de 1982 e 1985, dois fatos começam a mudar o cenário: a
consolidação das conquistas trabalhistas dos operários intoxicados na fábrica
do pó da china (pentaclorofenol) e o afastamento do contato direto com as
substâncias químicas para outra área (o setor administrativo da fábrica do
TETRAPER) que se imaginava sem exposição química perigosa; e com a ocupação
dos locais de despejo clandestino por populações de baixa renda em virtude
da expansão imobiliária na região. Novas denúncias são veiculadas pela
imprensa local provocando desta feita um verdadeiro escândalo regional sem
paralelos. A empresa somente após tais denúncias cessa totalmente a retirada
do lixo tóxico de dentro da fábrica, voltando a confiná-lo precariamente na
sua área fabril. O Ministério Público paulista abre procedimentos
investigatórios, que confirmam que o solo, as águas superficiais e subterrâneas
e a cadeia alimentar (caranguejos, peixes, hortifrutigranjeiros, etc) da região
foram contaminados.




Por Exemplo: algumas análises foram realizadas tanto na região dos Pilões
no município de Cubatão como na Área Continental do município de São
Vicente, onde foram encontrados: 23,6 m/Kg (microgramas por quilo) no Cará um
peixe da região, 866 m/Kg no chuchu, abundante no pé da escarpa e 980 m/Kg
no frango, todos utilizados como alimentos de algumas comunidades naquela região.
Nos moradores da região do Quarentenário, também afetada pelo descarte de
HCB, no município de São Vicente foram detectados até 4,095 m/L de HCB no
soro sanguíneo e até 29,03 m/Kg no leite materno.




Nos diz em momento de descontração, um competente sanitarista da Região
que: “ao invés de termos chuchu com HCB, tínhamos na verdade HCB sabor
chuchu”.





8. Nos anos seguintes, vários lixões químicos começam a ser encontrados e
a Rhodia e a CETESB são denunciadas pelo Ministério Público Estadual (a
primeira pelos danos ambientais) em processos judiciais na cidade de São
Vicente, a mais atingida pelos despejos. A Rhodia reluta em assumir suas
responsabilidades, tentando fazer crer que herdou o problema da Clorogil, sem
conhecimento do fato. A Justiça condena a Rhodia a isolar as áreas
contaminadas e a remover e incinerar todo o solo contaminado, contrariando a
intenção da empresa que era de confinar o material em São Vicente em silos
de concreto, proposta que inicialmente provoca indignação nas autoridades da
cidade, que temem a perpetuação dos resíduos na mesma. A empresa constrói
no terreno de sua fábrica em Cubatão um incinerador que inicia suas
atividades em 1986. Enquanto o equipamento estava em construção, uma grande
parte do solo afetado retirado das áreas contaminadas é depositado
provisoriamente numa "Estação de Espera", projetada para abrigar
12.000 toneladas por um período de até 5 anos de utilização (quantidades e
prazos que viriam a ser extrapolados). Esta estimativa incorre num erro
grosseiro, pois desconsidera que a mistura dos poluentes com o solo
multiplicou em várias vezes esta quantidade.




9. Ao contrário das recomendações de retirada da população, proposta pela
Secretaria de Meio Ambiente (atual Ministério do Meio Ambiente) a omissão
das autoridades permite a ocupação desordenada da região, com a convivência
próxima da população dos lixões químicos. A Secretaria Estadual da Saúde
municipaliza os estudos toxicológicos nos moradores (o chamado de
"Projeto Samaritá"), que pouco depois é abandonado pela Prefeitura
de São Vicente sem produzir ações efetivas para mitigar o problema de saúde
pública. A Rhodia investe numa campanha de marketing asfaltando ruas e
urbanizando logradouros públicos nos municípios afetados para melhorar sua
imagem junto à opinião pública. Várias entidades locais pedem e recebem
doações da multinacional para suas atividades. Prefeituras e Câmaras de
vereadores locais cessam as pressões sobre a empresa.




10. A CPI PC/Collor instalada no Congresso Nacional descobre que a Rhodia
colaborou com o esquema PC, assim como a doação realizada em dinheiro para
formação da central Força Sindical, a qual filiou-se o Sindicato dos Químicos
de Cubatão, que infelizmente ainda representa os operários contaminados na
empresa amplamente divulgado nos Jornais.




11. Ainda em 1992, os operários da fábrica de solventes clorados em Cubatão
descobrem que, a exemplo dos operários da extinta fábrica de pó da China e
das comunidades residentes em Samaritá/SV/SP e Pilões/CBT/SP, também estão
intoxicados pelos poluentes da Rhodia – fato comprovado pela presença do
hexaclorobenzeno no soro sanguíneo destes operários (que é um agente
utilizado como indicador biológico de exposição) - em virtude do ambiente
de trabalho estar totalmente contaminado. O Depto. de Medicina Ocupacional da
Rhodia sempre omitiu dos operários esta situação, que desconheciam o perigo
a que estavam expostos. Os operários denunciam o fato ao MP, que providencia
uma inspeção conjunta entre vários órgãos de fiscalização que comprovam
a contaminação ambiental do local e o risco iminente à saúde dos operários.
Em dezembro deste ano, um outro operário morre com suspeita de intoxicação
pelos poluentes da Rhodia.




12. Em junho de 1993, em face da contaminação ambiental indiscriminada na área
da fábrica a Justiça concede liminar, a pedido do MP Estadual, interditando
a fábrica de solventes clorados e o incinerador de resíduos tóxicos
(interrompendo assim a queima dos estoques de solo contaminado que não
paravam de se acumular na "Estação de Espera"). A Rhodia não
contesta a liminar, transparecendo que já tinha intenções de desativar a
unidade definitivamente diante de todos estes problemas, pois informações dão
conta que durante os últimos anos a empresa Carbocloro comprava toda a produção
de solventes da Rhodia. Os operários não podem ser demitidos e (contrariando
a intenção da empresa), ficam em licença remunerada por decisão judicial
até o esclarecimento dos fatos.




13. Com o apoio da ACPO, o MPE em Cubatão já em 1995 celebra um Termo de
Ajustamento de Conduta - TAC na Ação Civil que interditou a fábrica (a última
das quatro instauradas), que pioneiramente prevê algumas garantias
trabalhistas inéditas. Por questões legais, além da Rhodia e do MP, o
Sindicato dos Químicos assina o acordo extrajudicial apesar das restrições
dos operários à entidade. O TAC é dividido em três capítulos, a saber: I
- OBRIGAÇÕES DE CARÁTER AMBIENTAL; II - PRECEITOS RELATIVOS À SAÚDE e III
- DISPOSIÇÕES GERAIS.




14. Também neste período, em virtude da interrupção da incineração dos
estoques de solo contaminado (técnica que começa a sofrer críticas em
escala mundial pelos riscos envolvidos na geração de novas e mais perigosas
toxinas durante a queima), a Rhodia adota uma nova tentativa de reparação
ambiental nos locais dos lixões químicos, inclusive na área da fábrica em
Cubatão: implanta processos de remediação nas próprias áreas
contaminadas, a partir de técnicas de contenção e filtragem do lençol freático
poluído. A CETESB aprova os métodos, mas por declarar falta de maior
estrutura concede à empresa o direito de autofiscalizar tais medidas,
restringindo seu controle a auditorias ocasionais. Porém em relação à área
da fábrica, anos depois a CETESB se convence que a metodologia ali aplicada
é insuficiente para atingir os objetivos.




Em Itanhaém, nem medidas de contenção são adotadas, apenas a remoção
superficial do solo contaminado e sua substituição por solo limpo, seguida
de reflorestamento e isolamento precário na superfície. Em São Vicente,
onde as autoridades locais inicialmente não admitiam a permanência do solo
contaminado na cidade, a empresa passa até mesmo a ser elogiada por alguns
vereadores por essa remediação. Na única das quatro Ações Civis Públicas
em que a empresa se nega a assinar um TAC (em São Vicente), um juiz local
condena a empresa além da remediação ao pagamento de indenização ao Fundo
de Direitos Difusos do Estado, em valor superior a oito milhões de reais.




15. Em maio de 2001, a ONU celebra em Estocolmo (curiosamente onde se originou
o Caso Rhodia a partir da desastrosa posição do governo em 1972) a
assinatura por 120 países, inclusive o Brasil, de um Tratado Internacional
chamado de "Convenção de Estocolmo sobre POPs", que propõe a
eliminação global dos 12 poluentes orgânicos persistentes - POPs
considerados mais perigosos ao meio ambiente e à saúde pública, entre eles
o hexaclorobenzeno, principal poluente da Rhodia presente nos lixões químicos
e diagnosticado no organismo das vítimas da intoxicação. Com apoio do
movimento ambientalista internacional, a ACPO é a única ONG brasileira a
enviar representante para acompanhar a assinatura do protocolo em Estocolmo,
pois o episódio protagonizado pela Rhodia na Baixada Santista é considerado
um dos mais graves do mundo envolvendo este tipo de poluição.




16. Em janeiro de 2002 a Rhodia anuncia oficialmente através dos meios de
comunicação sua "saída definitiva" da região da Baixada
Santista, sem oferecer maiores garantias quanto ao cumprimento das obrigações
impostas judicialmente perante o imenso passivo sócio-ambiental. A ACPO teme
uma possível manobra corporativa da empresa para escapar da responsabilidade,
pois é visível a dança do capital da empresa que: em 1993 é totalmente
privatizada pelo governo francês; em 2000 é fragmentada sendo que a parte
boa e rentável da empresa conhecida como ciência da vida é fundida com a
empresa HOESCHT para formação de nova empresa denominada AVENTIS. A parte química
(podre) é desmembrada e segue deficitária com a denominação de Rhodia
Mundial. A AVENTIS detém 20% das ações da Rhodia Mundial e assim se
extingue definitivamente o Grupo Rhône-Poulenc. Recentemente a Rhodia Mundial
se vê obrigada a tentar sanar seu déficit operacional e busca reestruturar a
empresa deficitária, imprimindo um ritmo alucinado, onde converteram 1,5 bi
de Euros de sua dívida em ações e patrocina a venda de vários ativos
financeiros, o que poderá levar a empresa à insolvência diante dos enormes
passivos ambientais e de saúde pública envolvido. Estes fatos são de
conhecimento do Ministério Público Estadual e Federal, onde estamos pedindo
atenção especial e medidas de Segurança Jurídica.



CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL E MOVIMENTAÇÃO
CORPORATIVA

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No Brasil, a Rhodia é outro bom exemplo. Estimá-se que
só Cubatão há uma dívida ambiental superior a 2,5 bilhões de Real, que no
Brasil pode ser multiplicado se adicionarmos a esta conta a contaminação da
Rhodia Paulínia, Rhodia Santo André, Rhodia Rafard, entre outras.
Ressalta-se que a fábrica de solventes da Rhodia Cubatão, que causou uma das
mais violentas contaminações por Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) no
mundo, operou apenas 19 anos, as duas primeiras operam há mais de 80 anos. É
possível que estes problemas tenham gerado os três grandes movimentos
corporativos observados, a saber: 1) retirar ou amenizar a responsabilidade
direta do Governo Francês; 2) proteger o patrimônio dos acionistas do Grupo
Rhonê-Poulenc; 3) repatriar a parte limpa do conglomerado empresarial.





Assim, realizaram a privatização total do Grupo Rhonê-Poulenc
em 1993. Após houve a extinção do Grupo no ano de 2000, após a fusão
“bem sucedida” realizada com a alemã Hoechst Marion Roussel que deu
origem a formação do GRUPO AVENTIS, especializado em ciência da vida. Uma
exigência para fusão foi a retirada da área química da Rhodia do pacote
(parte podre). Assim, foi criada a Rhodia Mundial que herdou todas as fábricas
químicas em nível mundial que apontou no balanço de 2002 um prejuízo de
1,3 bilhões de Euros. E por fim, mais um desdobramento (3º fase) da
movimentação corporativa iniciada com a Rhodia-Rhonê-Poulenc, informa que
agora em 2004 a Aventis (fusão Hoesch+Rhodia) vendeu a parte farmacêutica,
altamente lucrativa, para francesa Sanofi-Synthélabo. A nova empresa chama-se
Sanofi-Aventis.





Conforme publicado no Planeta Porto Alegre, por Rafael
Evangelista, “o governo francês não mediu esforços para contornar a
dificuldade. O primeiro-ministro Jean-Pierre Rafarin afirmou textualmente que
a encampação da Aventis deveria servir “aos interesses nacionais”. O
ministro das Finanças reuniu-se em seguida com os principais executivos da
Sanofi e Aventis. "Aconselhou" os primeiros a elevar a oferta
inicial de aquisição (de 48 bilhões de euros) e os segundos a aceitá-la.
Tinha trunfos para tanto. O sistema público de Saúde da França é um dos
maiores consumidores de medicamentos do mundo. Desafiar o Estado é tão
arriscado que os próprios dirigentes da Novartis preferiram o silêncio,
apesar de flagrantemente passados para trás”. A contra-informação faz com
que o grande público não enxergue o movimento corporativo finalizada com a
repatriação da atividade química lucrativa e o abandono total da parte
problemática frente às pressões ambientais. Muito mais que uma simples saída
à
francesa.

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